Ilustração para a peça 'Salomé', apresentada na Inglaterra em 1905; à direita, uma fotografia de Wilde - Getty Images
Oscar Wilde

Por que uma peça de Oscar Wilde foi banida dos palcos britânicos por décadas?

Publicada no final do século 19, a peça 'Salomé', de Oscar Wilde, foi alvo de censura no Reino Unido ao escandalizar a moral vitoriana

Giovanna Gomes Publicado em 25/05/2025, às 14h00

A figura de Salomé, que aparece no Novo Testamento bíblico, exerceu um fascínio sombrio sobre diversos artistas ao longo da história. No final de 1891, foi a vez do dramaturgo e poeta irlandês Oscar Wilde revisitar a narrativa da jovem que exige, como recompensa por sua dança, a cabeça de João Batista em uma bandeja.

Já consagrado, àquela altura, por obras como "O Retrato de Dorian Gray" e "A Importância de Ser Prudente", Wilde buscava agora uma nova abordagem para essa personagem lendária. Inspirado também pelo conto de Gustave Flaubert sobre Herodíades, mãe de Salomé, Wilde resolveu que era hora de dar sua própria versão à narrativa, a qual viria a escandalizar a moral vitoriana de seu tempo.

Versão de Wilde

Na tradição bíblica, Salomé é apresentada como uma jovem manipulada por sua mãe, Herodíades, que deseja a morte de João Batista por ele condenar seu casamento com Herodes, irmão de seu primeiro marido.

Flaubert reforça essa imagem, mostrando Salomé como um peão nas mãos da mãe vingativa. Wilde, no entanto, faz justamente o oposto: transforma a jovem em uma figura ativa, decidida e perigosa.

Em sua peça, escrita originalmente em francês, Salomé não apenas tem vontade própria, mas a impõe com crueldade. A jovem, nesta releitura, não pede a morte de Jokanaan (nome dado por Wilde ao profeta João) por obediência à mãe, mas por vingança pessoal, uma vez que foi rejeitada por ele.

O escritor Oscar Wilde / Crédito: Getty Images

 

De acordo com a revista Smithsonian, a Salomé de Wilde é vaidosa, orgulhosa e dominada por um desejo que beira o patológico. Quando Jokanaan a repele, dizendo que ela é "filha de Sodoma" e ordenando que vá ao deserto buscar redenção, ela insiste, pede que ele a beije, mesmo sabendo que isso nunca acontecerá.

O que se segue é a dança dos sete véus, que Wilde descreve vagamente, mas que o imaginário dos coreógrafos transformaria em um striptease simbólico e erótico, escandaloso para os padrões vitorianos. Após a dança, Herodes, encantado e perturbado, promete-lhe qualquer coisa. E ela pede a cabeça do profeta.

Censura

A peça foi imediatamente barrada pelos censores britânicos. Embora a justificativa oficial tenha sido a proibição de se representar personagens bíblicos nos palcos, os motivos iam muito além disso.

A verdade é que o conteúdo sexual, a presença de temas como necrofilia e incesto implícito, e a figura de uma jovem dominadora e perversa, que controla até um rei, eram considerados insuportáveis. O Examinador de Peças Edward Pigott classificou a obra como "meio bíblica, meio pornográfica", e o Lord Chamberlain, que à época tinha o poder de aprovar ou proibir montagens teatrais, impediu a encenação.

Oscar Wilde / Crédito: Getty Images

Mesmo com a proibição, a peça chamou atenção. A lendária atriz Sarah Bernhardt se interessou pelo papel principal e chegou a iniciar ensaios para uma montagem em Londres. Mas com o veto, o projeto foi cancelado, deixando Wilde furioso.

Para ele, era inaceitável que pintores e escultores pudessem retratar figuras bíblicas, enquanto os dramaturgos fossem silenciados. Na época, o escritor chegou até mesmo a ameaçar se mudar para a França, onde havia maior liberdade artística.

Publicação

Salomé foi publicada em 1893 em francês, e em 1894 em inglês, com ilustrações ousadas de Aubrey Beardsley. A peça, contudo, só seria encenada em 1896, em Paris, pela companhia Théâtre de l’Oeuvre, em uma época em que Wilde se encontrava preso. O motivo? "Indecência grosseira", uma acusação baseada em seus relacionamentos homossexuais.

A primeira montagem contou com a atriz Lina Munte no papel de Salomé, cuja performance foi muito elogiada pela crítica francesa. A peça, rejeitada pela Inglaterra, foi aclamada na França.

Últimos anos

Após sua libertação da prisão, Wilde se exilou na França, onde viveu seus últimos anos em pobreza e doença, morrendo em 1900, aos 46 anos. Infelizmente, o dramaturgo nunca viu sua peça ser encenada como desejava. Ainda assim, sua Salomé conquistou destaque como uma das mais ousadas releituras bíblicas do teatro moderno.

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