Embora não existisse naquela época, o Paris Saint-Germain surgiu, em partes, para preencher lacuna deixada na cidade-luz após o fim da Segunda Guerra
Neste sábado, 31, o Paris Saint-Germain pode conquistar sua primeira Liga dos Campeões da UEFA, caso derrotes a Internazionale de Milão. Mas muito antes do PSG sonhar com a orelhuda (como o troféu é carinhosamente chamado), a cidade-luz viveu seus anos mais sombrios.
Afinal, entre 1940 e 1944, Paris esteve sob ocupação nazista — e o futebol francês, assim como todas as formas de vida pública, foi profundamente afetado. Os clubes foram desestruturados, os estádios esvaziados, já os jogadores tiveram que se dividir entre a resistência e a repressão. O esporte passou por tempos de censura, manipulação e incerteza.
Em 1940, após derrota para a Alemanha nazista na Batalha da França, a França foi dividida em duas zonas: uma ocupada pelos alemães, que ia do norte até a costa atlântica (incluindo Paris); e outra uma zona livre, com capital em Vichy, governada pelo regime de Vichy — um governo colaboracionista chefiado pelo marechal Pétain, apontam Richard Holt e Pierre Lanfranchi em 'Sport and Society in Occupied France'.
A divisão geopolítica teve efeitos imediatos sobre o futebol nacional. Um exemplo prático disso é que as ligas foram separadas por regiões, visto que as viagens entre as zonas foram dificultadas. Desta forma, o campeonato nacional foi reorganizado com interferência política.
Enquanto o regime de Vichy incentivava o "esporte moralizante", as autoridades nazistas toleravam o futebol como forma de entretenimento e controle da população ocupada, diz Kevin E. Simpson em 'Soccer Under the Swastika: Stories of Survival and Resistance during the Holocaust'.
Em Paris, clubes tradicionais como o Red Star FC e o Racing Club de Paris continuaram a disputar competições locais, mas com sérias limitações: racionamento de alimentos, censura, e falta de recursos eram comuns. O número de partidas diminuiu drasticamente, e o público nos estádios caiu devido ao medo constante de bombardeios e repressão.
Embora o PSG ainda não existisse — o clube só foi fundado em 12 de agosto de 1970 —, seu estádio, o Parc des Princes, já estava de pé, sendo inaugurado em 1897. Apesar disso, ele não era o palco principal do futebol parisiense naquela época.
Mesmo assim, tornou-se símbolo de uma Paris esportiva que se escondia entre os escombros e as patrulhas alemãs, segundo Kevin. E. Simpson em 'Soccer Under the Swastika'.
Com o futebol francês funcionando de forma limitada, o esporte também foi manipulado para servir como instrumento político. Simpson descreve que o regime de Vichy usava partidas como eventos de propaganda — exaltando os valores de obediência e disciplina. Ao mesmo tempo, jogadores judeus foram expulsos dos clubes, treinadores foram censurados, e atletas politicamente engajados sofreram perseguições.
Mas alguns atletas escolheram resistir. E não apenas no futebol. Como é o caso do ciclista Charles Berty — que detém seis recordes mundiais do Tour de France. Berty participou de atividades clandestinas contra a ocupação alemã, mas acabou denunciado e morreu de espancamentos e maus-tratos na deportação para o campo de concentração de Mauthausen, em 18 de abril de 1944.
Há relatos de atletas que se alistaram na resistência francesa ou esconderam judeus em suas casas. Outros fugiram para o sul ou abandonaram o esporte para sobreviver. As equipes improvisavam elencos a cada rodada, pois muitos atletas estavam ausentes — mortos, exilados, escondidos ou presos, segundo o Institut National du Sport (INSEP).
Quase três décadas depois da guerra, o Paris Saint-Germain surgiu para, em parte, ocupar uma lacuna criada durante o conflito: visto que a capital francesa não possuía um clube forte e representativo no cenário nacional após o fim da guerra.
Enquanto cidades como Marselha, Lyon e Saint-Étienne dominavam o futebol francês, Paris carecia de uma potência esportiva, algo que só começou a ser corrigido com a criação e ascensão do PSG. A presença do clube na final da Champions League atualmente é parte de uma narrativa maior: a reconstrução do futebol parisiense após a devastação moral, física e institucional deixada pela Segunda Guerra Mundial.