Pela primeira vez, o rosto do compositor Ludwig van Beethoven foi reconstruído com base científica pelo designer brasileiro Cicero Moraes
Pela primeira vez, o rosto de Ludwig van Beethoven foi reconstruído com base científica, em um trabalho realizado pelo designer brasileiro Cicero Moraes. Especialista em reconstrução facial forense, Moraes utilizou fotografias históricas do crânio do compositor para criar uma aproximação tridimensional que revela uma nova face de um dos maiores nomes da música ocidental.
O estudo, publicado na plataforma ResearchGate, combina ciência forense, antropologia e análise histórica, propondo também uma reflexão sobre a genialidade de Beethoven à luz dos conceitos contemporâneos de altas habilidades.
A ideia de reconstruir o rosto do compositor nasceu de outra pesquisa. “A escolha de reconstruir o rosto de Beethoven foi inspirada durante pesquisas sobre o crânio de Mozart, onde referências ao crânio de Beethoven surgiram frequentemente”, explica em entrevista ao Aventuras na História.
O acesso às fotografias do crânio, autorizadas pela Beethoven-Haus Bonn, instituição responsável pela preservação do legado do compositor, foi o ponto de partida técnico do projeto. As imagens em questão foram tiradas em 1863 por Johann Batta Rottmayer durante a exumação dos restos mortais de Beethoven.
São três fotografias: uma frontal, uma frontal corrigida e uma lateral. Apesar do crânio estar incompleto — devido à autópsia de 1827, que removeu fragmentos da calota craniana —, as imagens permitiram a reconstrução digital.
“Durante a exumação de 1863, foi observado que um lado do crânio era maior do que o outro, e os fragmentos foram montados com argila para documentação fotográfica. Apesar da condição fragmentada, as fotografias permitiram a reconstrução”, relata.
O processo técnico envolveu a modelagem do crânio em 3D com base nas proporções dessas imagens, combinadas com tomografias de doadores virtuais. “Adicionei marcadores de espessura de tecido mole com base em dados de europeus vivos, projetei o nariz, tracei o perfil facial e, a partir disso, construí o rosto básico. Depois refinei expressões, cores e adicionei roupas inspiradas em um retrato de 1820”, detalha Moraes.
O retrato em questão, de Joseph Karl Stieler, foi usado apenas como referência estética — cabelo, roupa — mas não interferiu na estrutura facial, que foi inteiramente derivada do crânio.
A reconstrução é compatível com a famosa máscara de vida de Beethoven, um molde tridimensional feito diretamente sobre o rosto do compositor quando ele ainda estava vivo, por volta de 1812.
“A forma do rosto é totalmente advinda do crânio. A máscara de vida tende a ser mais confiável por ser feita diretamente sobre o rosto, embora possa haver pequenas compressões. Neste caso, a semelhança entre as duas é grande, o que valida o trabalho”, afirma o designer.
Além da reconstrução facial, o estudo apresenta dados inéditos, como a estimativa da capacidade craniana de Beethoven (cerca de 1450 cm³) e uma meta-análise sobre sua altura, estimada entre 1,62 e 1,66 metros. Esses dados foram obtidos a partir de fontes históricas e análises das exumações realizadas no século XIX.
Mas o projeto vai além do aspecto físico. Moraes também propôs uma análise acadêmica sobre a genialidade do compositor, reunindo elementos de historiometria e psicologia. “Analisei sua criatividade revolucionária, sua resiliência ao compor apesar da surdez, seu foco intenso, sua habilidade de superar desafios e sua produtividade incansável. Fundamentei isso com conceitos modernos de altas habilidades, examinando estimativas de seu QI", destaca.
O trabalho de Moraes é possivelmente a primeira reconstrução facial forense de Beethoven baseada em seu crânio, e sua repercussão pode ir além do campo técnico. “Talvez a certeza sobre a autenticidade dos restos mortais venha com pesquisas futuras, quem sabe esse trabalho não instigue tal cenário?”, sugere.