Abandonados após o desastre nuclear de 1986, os cães que habitam a Zona de Exclusão desenvolveram características genéticas únicas
Na noite de 26 de abril de 1986, quando o reator da Usina Nuclear de Chernobyl explodiu durante um teste de segurança, não foram apenas os humanos que fugiram às pressas da cidade ucraniana de Pripyat. Muitos animais de estimação, especialmente cães, foram deixados para trás, selando um destino incerto em um dos lugares mais radioativos do planeta.
Contra todas as probabilidades, esses cães não apenas sobreviveram, mas também se multiplicaram ao longo de quase quatro décadas. Hoje, seus descendentes vivem espalhados pela Zona de Exclusão de Chernobyl (ZEC), uma área de 2.600 quilômetros quadrados onde o tempo parece ter parado — mas onde a biologia, ao contrário, seguiu seu curso, adaptando-se silenciosamente às novas e severas condições ambientais.
Intrigados com essa história de sobrevivência, cientistas têm voltado seus olhos aos vira-latas de Chernobyl como um modelo vivo para entender os impactos de longo prazo da radiação em mamíferos.
Em um estudo publicado em 2023 na revista Science Advances, uma equipe internacional analisou o DNA de 302 cães que habitam a área da usina e os comparou com outros que vivem em zonas menos contaminadas, de 15 a 45 quilômetros de distância.
Segundo a CNN, os resultados foram surpreendentes. Os cães que vivem nas imediações da usina apresentaram uma maior homogeneidade genética e características únicas que os distinguem claramente das populações vizinhas. A hipótese é que essas "assinaturas genéticas" distintas tenham surgido como resultado da pressão seletiva imposta pela exposição contínua à radiação.
"Como você sobrevive em um ambiente hostil como este por 15 gerações?", questiona Elaine Ostrander, geneticista do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano dos EUA e coautora do estudo.
Para ela e seu colega Tim Mousseau, professor da Universidade da Carolina do Sul, os cães fornecem uma "ferramenta incrível" para observar os impactos ambientais da radiação, devido à sua proximidade histórica com os humanos e ao fato de que habitam um território tão único.
Desde 2017, Mousseau realiza coletas de sangue dos animais, com o objetivo de entender como a exposição contínua à radiação afeta o sistema imunológico, o desenvolvimento de doenças e a longevidade desses cães.
A princípio, os cientistas acreditavam que as diferentes populações caninas da ZEC estariam geneticamente misturadas. No entanto, os dados mostraram o contrário: as matilhas se organizam por áreas com diferentes níveis de radiação, revelando um isolamento genético inesperado.
Embora ainda não seja possível afirmar com certeza se as alterações genéticas observadas são resultado direto da radiação ou de outros fatores, como a endogamia, o estudo representa um marco.
Ele é o primeiro a caracterizar uma espécie doméstica vivendo sob radiação ionizante de baixa dose e longa duração, e pode oferecer pistas valiosas até para futuras pesquisas em ambientes extremos como o espaço sideral.