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Matérias / Leatherman

Leatherman: 5 curiosidades sobre o mendigo que intrigou os Estados Unidos

Figura misteriosa do século 19 nos Estados Unidos, o Leatherman percorria milhares de quilômetros a pé, em silêncio e coberto de vestimentas de couro

Luiza Lopes Publicado em 08/06/2025, às 11h00 - Atualizado em 11/06/2025, às 07h01

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Leatherman - Domínio Público
Leatherman - Domínio Público

Durante quase 30 anos, uma figura silenciosa e coberta da cabeça aos pés por couro atravessou, a pé, cidades do nordeste dos Estados Unidos seguindo uma rota fixa de 580 quilômetros.

Chamado de Leatherman (“Homem de Couro”, em tradução literal), ele se tornou um personagem conhecido entre os moradores de Connecticut e Nova York por sua pontualidade quase absurda e comportamento reservado.

Sua identidade nunca foi confirmada, mas sua rotina virou lenda local. A seguir, confira cinco curiosidades que ajudam a esclarecer quem foi o Leatherman, baseadas em documentos históricos, relatos da época e pesquisas atuais:

1. Identidade desconhecida

Em 1884, o jornal Waterbury Daily American afirmou ter solucionado o mistério. O editor Charles W. Burpee publicou um artigo enviado por um repórter de Roxbury que dizia ter conversado longamente com o Leatherman. A matéria o identificava como Jules Bourglay, de Lyon, na França.

Segundo essa versão, Bourglay teria se apaixonado pela filha de um rico comerciante de couro, Laron. Impedido de casar com ela, aceitou trabalhar para o sogro por um ano. Mas acabou arruinando a firma ao fazer apostas mal calculadas no mercado de couro, durante a crise de 1857. Perdeu o emprego, a noiva e, tomado pela vergonha, fugiu para os Estados Unidos — onde passou a vagar vestido com o material que arruinara sua vida.

A história viralizou: foi reproduzida por quase todos os jornais, postais com sua imagem começaram a circular e ele virou uma figura folclórica. No entanto, nada disso era verdade. O Leatherman jamais contou sua história a ninguém. Quando percebeu que havia publicado uma farsa, Burpee se retratou. Mas era tarde. A mentira já fazia parte do mito — e continuaria alimentando a lenda.

Durante as décadas de 1870 e 1880, os jornais seguiam registrando sua chegada às cidades, com relatos detalhados dos horários e paradas. Diziam que, se alguém lhe negasse comida, ele simplesmente ia embora e nunca mais voltava.

Apesar da ampla especulação, a verdadeira identidade do Leatherman jamais foi confirmada. Ele quase não falava, e quando o fazia, comunicava-se por meio de grunhidos, murmúrios e poucas palavras em francês.


2. Rota de 587 km 

Conforme contou o escritor Michael Hoberman ao site Connecticut History, “desde sua primeira aparição até o fim da vida, ele dedicou cada dia a caminhar por um circuito de 365 milhas (cerca de 587 km), que completava em 34 dias, sempre no sentido horário”. 

“Passava pelo sudoeste de Connecticut e por áreas adjacentes do sul do estado de Nova York. A rota incluía cidades como Danbury, New Fairfield, Watertown, Middletown e New Canaan, entrando no condado de Westchester (NY) e voltando a Danbury e New Fairfield”, afirmou o escritor.

O Leatherman era uma presença constante nessas cidades e, como descreve o historiador Jim Reisler em seu livro Walk of Ages, “seus hábitos eram tão pontuais que as pessoas que lhe ofereciam comida ou algumas moedas podiam praticamente acertar seus relógios por ele”.

Um artigo do New York Times de 1984 também observava que “sua aparição podia ser esperada — tão exato era seu cronograma — dentro de meia hora da última vez que fora visto na mesma cidade”. A edição de 12 de julho de 1885 do Hartford Times chegou a publicar uma tabela de horários com os dias e horários exatos em que ele visitava várias casas e cidades. O cronograma variava por no máximo alguns minutos.

Leatherman
Leatherman / Crédito: Wikimedia Commons via Domínio Público


3. Rotina de sobrevivência

O traje do Leatherman pesava entre 15 e 27 quilos, e era confeccionado com várias camadas de couro costurado à mão. Essa roupa não era apenas sua marca registrada, mas também uma proteção essencial contra o frio intenso, chuva e neve das regiões por onde passava.

Durante as noites, ele se abrigava em cavernas, abrigos naturais e estruturas de pedra que encontrava ao longo do caminho, muitas vezes preparando suprimentos e estocando alimentos nesses locais. Estima-se que ele usava aproximadamente 100 desses abrigos, conhecidos localmente como “cavernas do Leatherman”.

Hoje, locais como "Tory’s Den" em Burlington e a "Caverna do Leatherman" em Watertown são preservados como pontos turísticos e históricos, mantendo viva a memória do enigmático viajante.


4. Dieta simples e relação com a comunidade

Ele se alimentava de itens simples e não perecíveis. De acordo com o Connecticut History, um comércio registrou um pedido seu que incluía: “um pão, uma lata de sardinhas, meio quilo de biscoitos finos, uma torta, dois litros de café, um cálice de conhaque e uma garrafa de cerveja”. Curiosamente, evitava carne às sextas-feiras, o que leva à hipótese de que era católico romano.

Durante suas paradas, mantinha-se discreto. Costumava comer do lado de fora das casas, muitas vezes sentado nos degraus. Nunca pedia dinheiro. Aceitava comida, fósforos, tabaco e outros itens básicos, mas recusava qualquer oferta em espécie.

Apesar do contexto hostil aos andarilhos nos Estados Unidos do século 19, era geralmente bem recebido nas cidades por onde passava. Na época, o país vivia um surto de pânico moral em torno da vadiagem.

Como observa o historiador Joel E. Black ao site JSTOR Daily, “homens deslocados e itinerantes […] eram rotulados como uma ‘ameaça dos vadios’, e sua presença em cidades e estradas gerava uma série de condenações legais, econômicas e morais na mídia popular de classe média, que duraria até o fim do século XIX.”

Mesmo assim, o Leatherman escapou da repressão. Segundo Reisler, ao menos dez cidades de Connecticut aprovaram leis que o isentavam das normas estaduais contra vadios. Em vez de perigoso, ele era tratado como uma figura excêntrica. “Ele nunca olhava diretamente para as pessoas, mas as crianças não tinham medo dele. Apenas observavam”, recordou uma moradora local ao site.


5. Morte 

Apesar da lei contra vagabundos, o Leatherman foi preso apenas uma vez, em 1888, por preocupações relacionadas à sua saúde. Foi internado e avaliado, sendo diagnosticado como “são, exceto por um distúrbio emocional”. Como possuía algum dinheiro e exigia liberdade, foi rapidamente liberado.

Ele morreu em 24 de março de 1889, provavelmente de câncer de boca, causado pelo hábito de mascar tabaco. Seu corpo foi encontrado na “caverna Saw Mill Woods”, em uma fazenda na cidade de Mount Pleasant, Nova York. Foi enterrado no cemitério Sparta, em Ossining, com uma lápide que trazia o nome Jules Bourglay, o qual foi posteriormente contestado.

Leatherman
Túmulo do Leatherman / Crédito: Ossining Historic Cemeteries Conservancy

Em 2011, historiadores e arqueólogos exumaram o túmulo para tentar extrair DNA e identificar sua verdadeira origem. Contudo, não foram encontrados restos humanos, apenas pregos de caixão e terra, provavelmente destruídos pelo tempo, pelo tráfego da rodovia próxima e por projetos de terraplanagem.

O túmulo foi então realocado para uma nova área dentro do cemitério, e a lápide substituída por uma simples placa com a inscrição “The Leatherman”, preservando o mistério sobre quem ele realmente foi.

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