Baterista d’Os Paralamas do Sucesso e escritor, João Barone relembra que seu pai, João de Lavor Reis e Silva, foi um dos 25 mil combatentes da FEB na 2ª Guerra
Publicado em 24/05/2025, às 12h00 - Atualizado em 26/05/2025, às 18h26
"Meu pai foi um desses caras que teve que largar o violão e pegar no fuzil". É assim que João Barone, baterista d’Os Paralamas do Sucesso, escritor e entusiasta da Segunda Guerra, recorda de seu pai, João de Lavor Reis e Silva — um dos 25 mil combatentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) enviados para combater ao lado das tropas Aliadas durante a Segunda Guerra Mundial.
O meu pai, ele foi um pracinha da FEB, né? Meu pai não era um militar, ele era um reservista e ele teve que ir para a guerra", conta em entrevista à equipe do Aventuras.
Funcionário público, João de Lavor Reis e Silva tinha 26 anos quando se tornou o 'Soldado Silva' — título do livro escrito por Barone, publicado pela Panda Books em 2022, em que resgata a trajetória de seu pai no maior conflito armado da história, sob a identificação da plaquinha com número de inscrição 1929.
"O meu pai era um cara que, naquela época, já era um cara mais letrado, era funcionário público, falava um pouco de inglês e tudo. Ele ajudou lá a falar com os soldados americanos e comandantes americanos. E ele nunca glamorizou esse assunto para a gente. Ele nunca falou: 'ah, fomos lá, fomos heróis', nada disso", revela João.
"Ele falou: 'cara, a gente foi lá resolver uma encrenca para que nunca mais alguém tenha que ir novamente numa guerra, meus filhos, meus netos'. E as pessoas um pouco mais ilustradas naquela época tinham essa noção do que significava esse esforço".
Confira a seguir os principais trechos da entrevista de João Barone ao Aventuras!
Muitos combatentes são receosos em falar sobre as suas histórias de guerra, mas como seu pai lidava com isso?
O nosso pai, quando voltou da guerra, tinha alguns apetrechos que ele trouxe, algumas lembranças que ele trouxe. E tinha um álbum que a maioria, uma grande parte dos ex-combatentes, compravam na papelaria um álbum de fotos, daquele com papel manteiga no meio.
Na capa tinha o símbolo da FEB, que era a cobra fumando. Um símbolo que ficou muito famoso, porque era uma coisa tão incomum, uma cobra fumando. Como todo mundo achava que ia ser difícil mandar os brasileiros combater na Segunda Guerra Mundial.
Então, esse símbolo virou uma ironia muito grande. A cobra vai fumar virou uma expressão, porque os brasileiros foram lá e combateram. Então, esse álbum tinha fotos que o meu pai tirou assim que a guerra acabou.
Ele comprou uma câmera, porque demorou muito para trazer os soldados de volta. Foram meses e meses de operações para trazer de volta os 25 mil homens que estavam lá. Então, nesse meio tempo, enquanto o meu pai não entrava no navio para vir embora, ele fez viagens ali, foi a Roma, tirou fotos corriqueiras. E cada um que conseguiu esse tipo de memória visual acabava fazendo um álbum para ter essas reminiscências.
Quais memórias seu pai tem da Guerra? Como era a relação familiar com o tema?
Eu me lembro que ainda quando eu era pequeno, eu me lembro da gente, de tempos em tempos, pedir para ele pegar o álbum e mostrar as fotos e falar para a gente como é que foi isso aqui, como é que era a guerra, você matou alguém? Aquelas perguntas que as crianças fazem.
E ele sempre falava de um ponto de vista muito elevado, ele nunca falou se matou alguém. Nem ia falar. Ele falava que os alemães já estavam sem munição, eles davam um tiro para cima e já saíam de mão para o alto, se rendendo.
E a coisa muito triste é que ele viu muita destruição, as crianças e as mulheres que não tinham agasalhos, não tinham comida, os brasileiros davam comida e agasalho e remédio para a população solapada.
Então, ele falava de um ponto de vista muito elevado sobre a participação na guerra, de uma certa forma bem politicamente correta para as crianças e para não dar nenhum tipo de glamorização nessa história.
E o efeito foi totalmente ao contrário, porque a gente achava que o nosso pai era igual àqueles heróis de filmes de guerra que a gente via na TV, um herói silencioso ali. Então, a gente cresceu com esse assunto lá em casa.
Você falou que vocês viam o seu pai como um grande herói, mas ele se via como?
A gente sempre teve essa percepção que o meu pai foi lá — ele resumiu isso de uma forma muito sucinta — resolver um problema e voltar. Acho que você tem um monte de exemplos de soldados lá que foram condecorados por bravura, foram feridos em combate, receberam medalhas…
Depois que meu pai faleceu, em 2000, com esse interesse todo, eu acabei entrevistando um monte de ex-combatentes e foi muito emocionante. Parecia que eu estava tendo as conversas que eu não tive com meu pai.
Muitos ex-combatentes falavam que a guerra é um estado totalmente alterado da realidade, porque no mundo comum, se você mata alguém, você vai para a prisão. E na guerra, se você mata alguém, você ganha uma medalha.
Isso explica também, de uma forma resumida, o que significa a guerra. Então, ele sempre passou essa tranquilidade de que ele foi lá fazer isso e voltou para retomar a vida normal dele. E a maioria das pessoas que foram lá tinham essa noção. Muitos ficaram debilitados psicologicamente, tiveram problemas psiquiátricos e tal. Outros voltaram mutilados.
Mas uma maior parte desses 20 mil caras voltou a viver normalmente. Foram tocar a sua vida. Diante do meu pai, quando foi para a guerra, ele desmanchou o namoro com a namorada dele, e quando ele voltou, ele se casou com ela, que é a nossa mãe. Ele retomou a vida dele, normal.
Então, ele passava essa noção mais bem colocada do que significou ele ter ido para a guerra, voltou da guerra e tentou seguir a vida dele normalmente. Casou, constituiu família, continuou com a carreira dele de funcionário público, educou os filhos, enfim. Cumpriu a missão dele. Na verdade, a grande missão dele era essa. A guerra foi um parênteses.
Você disse que seu pai não comentava tanto sobre, mas ele também falava algumas coisas da guerra. Em algum momento, ele deu algum relato super impactante para você, ou mencionou alguma coisa assim?
Sim, já no final da vida dele, a gente começou a retomar um pouco essas histórias. E aí, como ele já estava bastante velhinho, ele contou algumas coisas que a gente não lembra dele ter contado para a gente.
Em poucas ocasiões, ele falou que a pior lembrança que ele tinha da guerra era o cheiro, o cheiro da morte.
Às vezes eles estavam passando por algum lugarejo onde tinha uma casa destruída, e muito provavelmente ali embaixo tinha alguém morto. Então aquele cheiro era muito aterrorizante, o cheiro de gente morta ali em decomposição, pessoas soterradas em uma casa bombardeada.
Ou mesmo, ele não falou de algum soldado morto, algum amigo que morreu em ação, mas ele falava mais dessa lembrança do cheiro da morte também, que é uma ideia muito aterrorizante também.
++ Confira a seguir a entrevista completa de João Barone, baterista d’Os Paralamas do Sucesso e filho do pracinha João de Lavor Reis e Silva!