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Matérias / Ans Van Dijk

Ans Van Dijk: A judia que colaborou com os nazistas acusada de trair Anne Frank

A judia Ans van Dijk, conhecida por ter colaborado com o regime nazista na Holanda, é acusada de ter ajudado na captura da família de Anne Frank

Luiza Lopes Publicado em 24/05/2025, às 13h00

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Ans Van Dijk e Anne Frank - Wikimedia Commons via Domínio Público
Ans Van Dijk e Anne Frank - Wikimedia Commons via Domínio Público

Ans van Dijk ficou marcada como uma das mais infames colaboradoras do regime nazista na Holanda durante a Segunda Guerra Mundial. Judia de origem, ela se passava por integrante da resistência, prometendo ajudar outros judeus a encontrar esconderijos e conseguir documentos falsos — apenas para denunciá-los em seguida.

Suas traições resultaram na captura de pelo menos 145 pessoas, das quais cerca de 80 morreram em campos de concentração. Há quem estime números bem maiores, chegando a 700 vítimas.

Ao longo dos anos, surgiu uma suspeita persistente: teria sido ela a responsável por denunciar Anne Franke os demais ocupantes do Anexo Secreto? A Casa de Anne Frank reconhece que a teoria circula há décadas, mas afirma que não há evidências suficientes. A dúvida, no entanto, continua a alimentar especulações: Ans van Dijk traiu Anne Frank?

Trajetória

Ans van Dijk nasceu em 24 de dezembro de 1905, em Amsterdã, no seio de uma família judia de classe média. Era filha de Aron van Dijk e Kaatje Bin, que viviam à beira do canal Nieuwe Keizersgracht. Em 1907, nasceu seu irmão Jacob. Com a morte da mãe em 1919, o pai casou-se novamente e teve mais um filho, Maurice, em 1922.

Em 1927, van Dijk casou-se com Bram Querido. O casamento durou 13 anos, encerrado provavelmente por causa da orientação sexual dela, que mais tarde se envolveria com mulheres. O divórcio nunca foi explicado oficialmente, mas havia boatos sobre um envolvimento com uma enfermeira. Depois disso, iniciou um relacionamento com Miep Stodel. Juntas abriram uma loja de chapéus, a Maison Evany, em Amsterdã.

A loja prosperou por algum tempo, mas a ocupação nazista dos Países Baixos, iniciada em 10 de maio de 1940, mudou completamente a trajetória de van Dijk. Mesmo se recusando a registrar-se como judia ou a usar a estrela amarela, e tentando camuflar sua identidade ao tingir o cabelo e adotar documentos falsos, não conseguiu escapar por muito tempo.

A Maison Evany foi identificada como empresa judaica e forçada a fechar, em novembro de 1941, assim como todas as empresas de judeus no país. Miep Stodel fugiu para a Suíça em 1942, mas Ans optou por permanecer nos Países Baixos. Inicialmente, tentou apoiar a resistência, ajudando judeus a se esconderem. Porém, essa tentativa foi curta.

Em janeiro de 1943, passou à clandestinidade, mas foi traída e presa no domingo de Páscoa pelo Bureau Joodsche Zaken — o "Escritório de Assuntos Judaicos", uma divisão da polícia nazista voltada à perseguição de judeus escondidos. Ali, deparou-se com uma escolha brutal: ser deportada para os campos ou colaborar com os ocupantes. 

Colaboradora 'eficiente'

Van Dijk rapidamente se mostrou eficaz. Dentro de semanas, entregou nove judeus, incluindo seu próprio irmão e a família dele. Usando nomes falsos, abordava judeus desesperados, prometendo esconderijos e documentos — e os levava a casas armadilhas vigiadas pelos nazistas. Seu desempenho chamou atenção: era elogiada por superiores e promovida para liderar uma célula feminina de capturadoras de judeus.

"Isso devia ser agradável para uma mulher raramente, ou nunca, elogiada na vida", afirmou o historiador Koos Groen ao site All That's Interesting. "Devia dar a ela uma sensação de poder, algo que a simples lésbica judia nunca tinha experimentado".

Mesmo quando já era evidente que a Alemanha perderia a guerra, van Dijk continuou colaborando. Groen observou: “sua necessidade de continuidade, sua vontade de ficar aqui nos Países Baixos, era maior do que a simpatia pelos seus semelhantes.”

Entre maio de 1943 e agosto de 1944, estima-se que tenha traído 145 pessoas: 107 judeus e 38 não judeus. Ao menos 84 dessas vítimas morreram em campos. Alguns relatos estimam que ela tenha causado direta ou indiretamente a morte de até 700 pessoas. Após a guerra, se refugiou com uma amiga, Mies de Regt, em Haia, e depois foi para Rotterdam, onde foi reconhecida e presa em 20 de junho de 1945.

Julgamento

Em 24 de fevereiro de 1947, van Dijk enfrentou julgamento por 23 acusações de traição — e se declarou culpada de todas. Argumentou que agiu por medo, mas o tribunal ouviu relatos que traçavam o retrato de uma delatora zelosa. Segundo o All That's Interesting, o promotor afirmou que ela tinha “um instinto satânico de caça”; uma ex-amante a descreveu como “um diabo em forma humana”.

Seu advogado pediu uma avaliação psiquiátrica, que foi negada. Van Dijk foi condenada à morte. A apelação em setembro de 1947 não surtiu efeito. O pedido de perdão à rainha Wilhelmina também foi recusado.

No dia 14 de janeiro de 1948, Ans van Dijk foi executada por fuzilamento no Forte Bijlmer, aos 42 anos. Para Groen, sua orientação sexual pode ter influenciado a severidade da pena:

“Isso era totalmente inaceitável na época. Esse relacionamento ‘anormal’ era visto como sujo e a colocou na margem da sociedade... Por mais louco que pareça, seu comportamento lhe dava segurança na certeza de que, enquanto fosse útil, teria uma chance real de sobreviver.”

Ela traiu Anne Frank?

A possível ligação entre ela e a prisão da família Frank foi levantada por Sytze van der Zee, no livro Vogelvrij (2010), e retomada por Gerard Kremer em The Backyard of the Secret Annex (2018).

Kremer, filho de um membro da resistência, afirmou que seu pai ouviu van Dijk, em agosto de 1944, mencionar um esconderijo no canal Prinsengracht — onde ficava o Anexo Secreto. A família Frank foi presa em 4 de agosto daquele ano, e Otto foi o único sobrevivente.

Apesar das especulações, a editora de Kremer admitiu que o livro não prova de forma conclusiva a culpa de van Dijk. Já a Casa de Anne Frank reforçou: “Investigamos a prisão da família Frank e consideramos van Dijk como possível responsável, mas não encontramos provas sólidas.”

"Ans era uma judia que, após ser presa, optou por colaborar com os nazistas em vez de ser deportada, e ajudou a capturar muitos judeus. O jornalista Sytze van der Zee, em Vogelvrij, sugeriu que ela conhecia o vigia noturno que viu a invasão em 1944. Mas faltam provas. Outro livro mais recente também a acusa, com base em memórias escritas por terceiros depois da guerra — o que torna o relato impossível de verificar", diz a página da instituição. 

Ans van Dijk pode não ter sido a delatora dos Frank, mas sua participação na máquina de perseguição nazista é inegável. Traiu desconhecidos, amigos e até familiares. Quer tenha entregado Anne Frank ou não, deixou um legado de horror que ecoa até hoje.

OSZAR »