Atual segunda série mais vista dentro da Netflix, O Píer é muito mais que uma das histórias do roteirista Kevin Williamson, é uma lembrança de seu passado
Segunda série mais vista da Netflix no momento, O Píer conta a história de uma rica família que está prestes a perder seu império pesqueiro numa cidade da Carolina do Norte. Como consequência, eles começam a traficar drogas.
Por trás do cais silencioso, da calmaria dos barcos atracados e do reflexo da luz do pôr do sol sobre as águas, esconde-se um drama real. Uma história que para o criador Kevin Williamson não é apenas mais um de seus roteiros, mas uma lembrança de décadas atrás.
Afinal, este cenário é o mundo que ele próprio viveu na pequena cidade de Oriental, ba mesma Carolina do Norte. "Eu era o esquisitão da cidade pequena", disse Williamson à TIME.
Eu era o garoto que não se encaixava ali e mal podia esperar para sair. Aí eu saí, e tudo o que eu queria fazer era escrever sobre isso."
Em O Píer, Williamson manifesta uma história de segredos enterrados, vícios, traição e ambiguidade moral, como ele já havia feito em sucessos passados, como Pânico, Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado, Dawson's Creek e The Vampire Diaries .
"Eu sempre dizia ao meu pai que ia escrever a história", lembra Williamson. "Ele dizia: 'Espere até eu morrer.'" E assim ele fez. Conheça a história real por trás de O Píer, novo sucesso da Netflix.
As raízes mostradas em O Píer remontam aos anos da infância de Williamson, que nasceu em New Bern, a cerca de 48 quilômetros de Oriental. O roteirista também cresceu em uma família moldada pelas marés, visto que seu pai era pescador.
Venho de uma família de pescadores — não apenas meu pai, mas toda a família", diz ele. "Todos que eu conhecia eram pescadores."
Nos anos 1980, porém, esse estilo de vida estava sumindo, com as marés mais altas, regulamentações ambientais mais rigorosas e mudanças econômicas mais amplas; o que ajudou a devastar a indústria. Conforme os peixes começavam a desaparecer, sumia também os meios de subsistência das pessoas.
Na família de Williamson, essa lacuna foi preenchida com uma medida desesperada: seu pai passou a usar seu barco de pesca para traficar drogas. "Ele foi preso por conspiração para traficar maconha — 9 mil quilos".
Apesar de seu pai ter passado apenas menos de um mês atrás das grades, o impacto do episódio foi sentido por todos. "Eles não prenderam apenas meu pai", lembra ele. "Prenderam um monte de gente. Fazia parte de um cartel. Eles eram os homens baixos da operação."
O trauma acabou inspirando não apenas O Píer, mas as criações do roteirista de uma maneira geral. Em Dawson's Creek, por exemplo, o pai do personagem Joey Potter precisa cumprir pena por um crime parecido. "Foi o começo da minha ficcionalização, mas eu sempre soube que voltaria a isso".
Antes de tratar a narrativa em O Píer, porém, Kevin se formou em teatro e na East Carolina University e chegou a Los Angeles no começo dos anos 1990. Em Pânico, seu primeiro grande sucesso, também resgata partes de sua vida passada, como a vulnerabilidade adolesente, alienação e a frágil armadura de identidade — temas também presentes em suas outras produções, mesmo que não de forma direta.
Até quando seus trabalhos pareceram desviar para o mundo da fantasia, as bases da realidade emocional das histórias estavam lá: a pontada agridoce da saudade, o peso dos segredos, os fantasmas intergeracionais que carregamos.
Por fim, em sua mais recente produção, O Píer, embora Williamson foque na arrogância e no crime, ele também aborda as consequências da vida, mostrando como a família Buckleys pode enterrar segredos ou proteger uns aos outros. Ainda assim, eles não são caricaturas. "Não somos 'ou isso ou aquilo' na vida. Somos sempre 'e'", diz Williamson. "Somos bons e maus."
A dualidade está presente nas explosões de violência mostradas na série. "Eu adoro o escuro", ele admite. "É o meu lugar feliz. Há todo um lado horroroso em mim, então acho que é seguro dizer que, se você assistir a uma série da qual faço parte, alguém vai acabar morrendo”.
Mas a brutalidade não é apenas para chocar. "Às vezes, somos derrubados pela vida, e eu queria que a série refletisse isso", continua ele.