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StandWithUs Brasil / Katalin Karády

Katalin Karády: De estrela húngara a Justa entre as Nações

Katalin Karády, atriz consagrada, se tornou símbolo de um heroísmo silencioso em meio aos horrores da Segunda Guerra Mundial

Matheus Alexandre* Publicado em 22/05/2025, às 17h00

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Katalin Karády - Divulgação
Katalin Karády - Divulgação

Em 15 de maio de 1944, os nazistas, com a cumplicidade ativa das autoridades húngaras, iniciaram uma das operações de extermínio mais rápidas e brutais da Segunda Guerra Mundial: cerca de 440 mil judeus foram deportados, sobretudo para Auschwitz-Birkenau, onde a maioria foi assassinada nas câmaras de gás. Em menos de um ano, aproximadamente 550 mil judeus húngaros foram exterminados.

Este genocídio não foi um acidente de guerra, mas o ápice trágico de décadas de políticas antissemitas. Desde o pós-Primeira Guerra Mundial, a Hungria consolidou um regime autoritário, nacionalista e profundamente antissemita, liderado pelo almirante Miklós Horthy.

Portão do campo de concentração de Auschwitz - Getty Images

Em 1920, o país aprovou o numerus clausus, a primeira lei antissemita da Europa pós-guerra, restringindo o acesso de judeus às universidades — um ensaio da exclusão sistemática que viria depois.

A partir de 1938, com a radicalização política e o alinhamento com a Alemanha nazista, a Hungria implementou sucessivas leis raciais que eliminaram, sistematicamente, os direitos civis, políticos e econômicos dos judeus, empurrando-os para as margens da sociedade. Em 1941, a Terceira Lei Judaica proibiu casamentos e relações entre judeus e não judeus, selando a segregação total.

Com apoio de Hitler, a Hungria expandiu suas fronteiras, anexando territórios da Tchecoslováquia, Romênia e Iugoslávia — regiões com comunidades judaicas significativas. Em 1941, o território ampliado da "Grande Hungria" abrigava mais de 725 mil judeus, cerca de 5% da população total.

Até março de 1944, a Hungria manteve uma autonomia relativa, evitando a deportação sistemática. Mas, temendo uma negociação de paz com os Aliados, Hitler ordenou a ocupação militar.

Em apenas oito semanas, com a colaboração entusiasta e meticulosa da gendarmeria húngara — a polícia rural responsável pela organização logística das deportações — e de setores amplos da burocracia e das elites locais, a "Solução Final" foi aplicada com eficiência brutal.

É nesse cenário de terror e resistência que se impõe a figura de Katalin Karády, atriz consagrada, que se tornou símbolo de um heroísmo silencioso.

Ascensão: da pobreza à consagração

Nascida em 8 de dezembro de 1910, no bairro operário de Kőbánya, Budapeste, Katalin Karády (originalmente Katalin Kanczler) cresceu em meio à pobreza, uma entre oito irmãos. Seu pai, Ferenc, sapateiro, era, segundo a própria Katalin, um homem violento. Através de instituições de caridade, viveu cinco anos na Suíça e na Holanda, onde aprendeu idiomas e refinou hábitos que a distinguiram ao voltar à Hungria.

A construção de um ícone nacional

Descoberta pelo jornalista Zoltán Egyed, que também lhe sugeriu o nome artístico, Karády estudou com a ex-atriz Ilona Aczél e lapidou sua formação artística. Sua estreia nos palcos ocorreu ainda na década de 1930, mas foi com 'Halálos Tavasz' (Primavera Mortal), de 1939, que alcançou a consagração.

Katalin Karády - Divulgação

Nos nove anos seguintes, estrelou 20 filmes e se consolidou como ícone de glamour e sensualidade. Milhares de mulheres imitavam seu estilo. Sua vida pessoal virou obsessão pública — marcada por rumores sobre sua sexualidade e um notório relacionamento com István Ujszászy, chefe do serviço secreto do governo Horthy e espião pró-Aliados.

Resistência e heroísmo

Com a ocupação alemã da Hungria, em 1944, a trajetória de Karády foi abruptamente interrompida. Suas canções foram proibidas na Rádio Nacional, seu filme Machita retirado de cartaz e a produção de 'Gazdátlan asszony' (Mulher Órfã) paralisada.

Acusada de espionagem a favor dos Aliados — suspeita alimentada por sua relação com Ujszászy — foi presa e brutalmente torturada por três meses, ficando à beira da morte. Sobreviveu graças à intervenção de amigos ligados ao general.

Mesmo física e emocionalmente devastada, Karády permaneceu em Budapeste e protagonizou atos de heroísmo silencioso: subornou milicianos da Cruz Flechada — o grupo fascista húngaro— com joias e bens pessoais, conseguindo salvar judeus que estavam prestes a ser executados às margens do rio Danúbio. Levou várias crianças para sua casa e as escondeu até a libertação da cidade, em janeiro de 1945, pelas tropas soviéticas.

Exílio e apagamento

Em 1945, recebeu a notícia — depois desmentida — da morte de Ujszászy na União Soviética. Abalada, sofreu um colapso nervoso e passou nove meses acamada.

Em 1951, partiu definitivamente da Hungria, vivendo na Áustria, Suíça e Bruxelas, até se estabelecer em São Paulo, Brasil, em 1953, onde abriu uma loja de moda. Só em 1968, após intervenção dos irmãos Kennedy, obteve visto para os Estados Unidos e se mudou para Nova York, onde abriu um pequeno salão de chapéus e viveu reclusa, recusando aparições públicas.

Legado: entre o esquecimento e a memória

Katalin Karády faleceu em 8 de fevereiro de 1990. Seu corpo foi transferido para Budapeste, onde foi homenageada na Basílica de Santo Estêvão e sepultada no Cemitério Farkasréti.

Em 2004, foi reconhecida como "Justa entre as Nações" pelo Yad Vashem, o Memorial do Holocausto de Jerusalém. O título homenageia não judeus que arriscaram a vida para salvar judeus perseguidos pelo nazismo.

Neste mês de maio, quando se completam 80 anos do início da deportação em massa dos judeus húngaros, a história de Katalin Karády ressurge como um símbolo de resistência silenciosa, compaixão e dignidade humana em meio ao horror. Seu legado nos lembra que, mesmo nos momentos mais sombrios da história, há quem escolha desafiar a barbárie e proteger a vida.


*Matheus Alexandre, sociólogo, pesquisador sobre antissemitismo contemporâneo na Universidade Federal do Ceará e professor da StandWithUs Brasil.


O texto foi proporcionado pela StandWithUs Brasil, instituição que trabalha para lembrar e conscientizar sobre o antissemitismo e o Holocausto, de maneira a usar suas lições para gerar reflexões sobre questões atuais.

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